segunda-feira

Quantas vezes ignoramos o nosso espaço pessoal, para nos perdermos em espaços, onde não pertencemos, onde não somos desejados ou apenas considerados afectos de ocasião? Tanto tempo que perdemos em jardins alheios, cultivando, semeando, preo...cupando desnecessariamente, inutilmente, ineficazmente... pois é terra ésteril ao nosso querer, e insistimos em azáfamas tão esforçadas, apenas com a vaga ilusão de que as nossas flores irão florir.

Quanto de nós damos ao outro, sem nada pedir, sem nada esperar, toldados de visão e razão, guiados por instintos básicos e memórias de vidas passadas ou ilusões de vidas futuras?

E no preciso instante em que a realidade nos acorda, no folêgo já perdido e na triste e confusa mentira que desmancha uma verdade crua, estamos de volta, ao circulo do mestre, onde apenas por falta da essencial sabedoria de sobrevivência, temos o nosso espaço em estado de abandono, devassado pela falta de vedações, de protecção, ferido pela erosão dos tempos, exposto ao vento do destino e às marés de abandono, e ficamos assim, soltos, talvez perdidos, de olhos no horizonte, e talvez, talvez seja agora a altura de esperar e ficar, no nosso espaço vital, renascido, vibrante, fértil, transcendente como os antigos Jardins da Babilónia e quem quer que venha, que venha por bem, e se assim não for... pois é, temos pena, nem tudo é para todos, desenganem-se, o que foi, já não o é, e já não volta a ser!

terça-feira

Tu...

Na impossibilidade de estar, na consequência da inconsequência do momento perfeito, naquele instante em que o sol perdeu o folêgo pela tua felicidade translúcida, as sombras chegam e percebes, compreendes, assumes e choras, sabes que foi um instante roubado à linha do tempo e as flores que te nasceram no sorriso, tombam secas, pétala por pétala, tristes.

O mundo até pareceu ser o sitio certo para estar, mas não, não é assim, não o podes esperar, não podes lutar, não podes ficar, não o podes sentir. Ele tem asas, pertence aos céus, navega no Zéfiro, e tu permaneces, lenta, quieta, antiga na alma e velha no corpo, nascida ainda antes da madrugada chegar e trazer os ventos que o levam para longe.

sexta-feira


Asa de um passáro, branca
negra ou cor proibida,
beijo feito de nada, escondido,
suspiro retido, tempo perdido,

Palavras que cairam,
quebrando o sentido,
perdendo a razão,
amor que devia ter sido gritado,
silenciado, sepultado.

Olhos no céu, azul,
trovada de sentires,
chuva de desejos,
Madrugadas de Felicidade !!

Vento, Morte, Seca, Noite
no deserto que é a minha Alma.

quinta-feira


Como se houvesse uma tempestade escurecendo os teus cabelos, ou, se preferes, minha boca nos teus olhos carregada de flor e dos teus dedos; como se houvesse uma criança cega aos tropeções dentro de ti, eu falei em neve - e tu calavas a voz onde contigo me perdi. Como se a noite se viesse e te levasse, eu era só fome o que sentia; Digo-te adeus, como se não voltasse ao país onde teu corpo principia. Como se houvesse nuvens sobre nuvens e sobre as nuvens mar perfeito, ou, se preferes, a tua boca clara singrando largamente no meu peito

Quando a ternura parece já do seu ofício fatigada, e o sono, a mais incerta barca, inda demora, quando azuis irrompem os teus olhos e procuram nos meus navegação segura, é que eu te falo das palavras desamparadas e desertas, pelo silêncio fascinadas.

Não sei como vieste, mas deve haver um caminho para regressar da morte. Estás sentada no jardim, as mãos no regaço cheias de doçura, os olhos pousados nas últimas rosas dos grandes e calmos dias de setembro. Que música escutas tão atentamente que não dás por mim? Que bosque, ou rio, ou mar? Ou é dentro de ti que tudo canta ainda? Queria falar contigo, dizer-te apenas que estou aqui, mas tenho medo, medo que toda a música cesse e tu não possas mais olhar as rosas. Medo de quebrar o fio com que teces os dias sem memória. Com que palavras ou beijos ou lágrimas se acordam os mortos sem os ferir, sem os trazer a esta espuma negra onde corpos e corpos se repetem, parcimoniosamente, no meio de sombras? Deixa-te estar assim, ó cheia de doçura, sentada, olhando as rosas, e tão alheia que nem dás por mim.


Mais um dia como outro qualquer, a sua vida corria tranquila, sossegada pelas escarpas que tinha construido a tanto custo. O tão desejado ponto de equilibrio oscilava, orgulhoso, na sua torre de marfim, onde guardava os seus tesouros, as memórias que tinham ousado ficar. Sabia que o dia não ia ser diferente, um dia pacato e controlado, os minutos sabiamente utilizados, as horas degustadas como um charuto, não tinha para onde ir, mas outro lado, não tinha pressa de chegar a lado nenhum.

Na estrada tantas vezes percorrida, encontrou uma carta, com o seu nome escrito, com letras redondas e fininhas, uma carta em branco. O seu dia estremeceu, e o calor tantas vezes sufocado, ardeu-lhe nas faces e nas pontas dos dedos, e sem saber o que fazer, foi para casa, sentou-se e alisou infinitas vezes o papel quase rasgado da carta, atrevida e ingénua, branca!

Dormiu mal nesse dia, antigos demónios derrubaram as defesas, surgiu a curiosidade, o desejo, as fantasias, a esperança tantas vezes esmagada, o desafio..... E pela última vez, tentou, saiu para vida, tentando que esse dia fosse diferente, sentiu vontade de ter pressa para ir para casa, sentiu vontade de comer os minutos e as horas com a súbita saudade de um corpo quente, um corpo que o esperasse. E escreveu na folha em branco, despejou nela os sonhos e anseios há muito esquecidos, as verdades, não omitiu defeitos, nem elogiou qualidades, e deixou o envelope, cuidadosamente, no mesmo sítio onde o tinha achado.

Ela encontrou a carta perdida, de corpo usado e alma rasgada, nada mais era que a sombra do fantasma da sua vontade, e de coração remendado, tocou-lhe à campainha, com a carta na mão, nada disse, apenas tombou aos seus pés. Ele agarrou-a ao colo e deitou-a na cama, enfeitada por eternidades de desejos, e simplesmente esperou, esperou que ela acordasse, esperou que os medos se dissipassem e então amou e deixou-se amar, e os minutos e as horas fizeram-se ternura e paixão...

Ele ficou com pressa de chegar a casa... e Ela, de corpo quente e alma fresca, esperava que ele chegasse depressa.

quarta-feira


Quem testa a nossa fraqueza, quem procura as nossas brechas, quem descobre as nossas feridas, encontra frequentemente a nossa força, a nossa persistência e a nossa indomável vontade de lutar contra as vagas que inundam o caminho que trilhamos.

Não se pode medir a alma pelo lado de fora, não se pode julgar o que não conhecemos e achamos saber... A sabedoria para escutar o espirito d’outro está na capacidade de vestir a mesma fraqueza, assumir as mesmas brechas e suportar as próprias feridas, só então se consegue ouvir a verdade despida da alma que tomba nas nossas mãos.

quinta-feira

Sentir, perceber, ouvir,
os teus gestos medidos,
as tuas mãos, borboletas de seda,
fazem palácios feitos de palavras,
e a tua voz que sussurra,
palavras sem espaço para serem ditas.

O teu espaço, vedado, fechado,
o meu coração, arrebatado,
pelo que vi nos teus olhos,
tão longe, mais longe que o horizonte
e tão perto que te cheiro o olhar.

Nada, não é nada, não és nada,
apenas o terror absoluto que sejas
alguma coisa...

sexta-feira

A inocência que partilhas, perdes a tranquilidade, no carinho que dás, cedes o que não tens, no coração vazio, quieto e silencioso, que abriga sombras e medos, cresce a dor. O sorriso, esse, perde-se, e as lágrimas voltam, foges, para longe de ti, para não sentires, apenas para voltares a esquecer, para distanciares o corpo do calor, da sede, negas tudo, esmagas os tenros rebentos, tímidos e frágeis da humanidade que insiste em crescer, permanecer, que somente quer acordar-te para a uma realidade que não conheces, aquela onde o calor do abraço e a gentileza de um toque ainda existem...

E as palavras tombam como o vestido rasgado pelas mãos do amante, o silêncio apaga a luz, pois não suportas a claridade, voltas a vestir os farrapos, porque temes a tua nudez, ainda trémula, filha de uma sobrevivência feita de enganos...

Pintar, escolher as cores, será vermelho?
apenas verde-água...ou azul?
o esboço de uma vida mal acabada,
ou ainda por começar?

Moldura de madeira antiga?
refinada e sofisticada...
Apenas um fio e um prego.
Metal e Vidro, que arrepio!

Traço de carvão, preto e branco,
suave e grosso, carícia no papel,
fino e preciso, arranhão, dor
Abstrato? Impressionista?
Ou retrato?

Dedos soltos e sem vontade,
Papel solto ao vento,
Passáro livre, gaiola no chão
uivo de lobo, guincho de águia,
Copo meio cheio... ou será meio vazio?

terça-feira


Dizê-lo é como se fosse vida que escapasse de mim, a força que desmaia quando a maré leva o barco, para longe. Consigo, agora, olhar em frente para o espelho da realidade mentida, ilusão ou sonho, reflexo trémulo na superficie das minhas lágrimas. Mas só ao dizê-lo, consigo saber o quanto, o tanto, eu te amo, subtil, profunda e verdadeiramente.

Como se o teu folêgo fosse a minha atmosfera, as tuas mãos, a minha gravidade e o teu corpo, satélite perpétuo na minha órbita. És tu que levas o meu coração, deixando-me sem alma, sem cor, sem mais beijos para dar, emoção espartilhada, não partilhada, e assim fico, a olhar em frente, para mim, e nos meus olhos, vejo a noite negra dos teus.