quinta-feira


Mais um dia como outro qualquer, a sua vida corria tranquila, sossegada pelas escarpas que tinha construido a tanto custo. O tão desejado ponto de equilibrio oscilava, orgulhoso, na sua torre de marfim, onde guardava os seus tesouros, as memórias que tinham ousado ficar. Sabia que o dia não ia ser diferente, um dia pacato e controlado, os minutos sabiamente utilizados, as horas degustadas como um charuto, não tinha para onde ir, mas outro lado, não tinha pressa de chegar a lado nenhum.

Na estrada tantas vezes percorrida, encontrou uma carta, com o seu nome escrito, com letras redondas e fininhas, uma carta em branco. O seu dia estremeceu, e o calor tantas vezes sufocado, ardeu-lhe nas faces e nas pontas dos dedos, e sem saber o que fazer, foi para casa, sentou-se e alisou infinitas vezes o papel quase rasgado da carta, atrevida e ingénua, branca!

Dormiu mal nesse dia, antigos demónios derrubaram as defesas, surgiu a curiosidade, o desejo, as fantasias, a esperança tantas vezes esmagada, o desafio..... E pela última vez, tentou, saiu para vida, tentando que esse dia fosse diferente, sentiu vontade de ter pressa para ir para casa, sentiu vontade de comer os minutos e as horas com a súbita saudade de um corpo quente, um corpo que o esperasse. E escreveu na folha em branco, despejou nela os sonhos e anseios há muito esquecidos, as verdades, não omitiu defeitos, nem elogiou qualidades, e deixou o envelope, cuidadosamente, no mesmo sítio onde o tinha achado.

Ela encontrou a carta perdida, de corpo usado e alma rasgada, nada mais era que a sombra do fantasma da sua vontade, e de coração remendado, tocou-lhe à campainha, com a carta na mão, nada disse, apenas tombou aos seus pés. Ele agarrou-a ao colo e deitou-a na cama, enfeitada por eternidades de desejos, e simplesmente esperou, esperou que ela acordasse, esperou que os medos se dissipassem e então amou e deixou-se amar, e os minutos e as horas fizeram-se ternura e paixão...

Ele ficou com pressa de chegar a casa... e Ela, de corpo quente e alma fresca, esperava que ele chegasse depressa.

Um comentário:

Anônimo disse...

quero uma carta, escreve-me! não sejas mau.